A Banalização da Saúde Mental no Brasil

A Banalização da Saúde Mental no Brasil

2020, Nov 04    

Em entrevista para à BBC e publicado no jornal O Estadão, o médico Shekhar Saxena, do Departamento de Saúde Mental da OMS (Organização Mundial da Saúde) afirmou:

“Os números da OMS mostram claramente que o peso da depressão (em termos de perdas para as pessoas afetadas) vai provavelmente aumentar, de modo que, em 2030, ela será sozinha a maior causa de perdas (para a população) entre todos os problemas de saúde” 1

A partir disso, é questionável: A segunda onda de COVID-19 já chegou em alguns países e tem a possibilidade de vir até o Brasil. São problemáticas sérias que o contexto global está enfrentando, mas e as ondas de transtornos mentais, quantas já foram vivenciadas - ou ignoradas -? Nesse ponto, pode-se contestar como a banalização da saúde mental influencia no adoecimento psíquico social.

No contexto sócio-cultural, observa-se que houve uma mudança, no Brasil, no que se refere aos tratamentos com a saúde mental, levando em conta a Lei n. 10.216 4, promulgada em 6 de abril de 2001, a qual prevê assistência aos indivíduos com transtornos mentais, além do direito humanizado ao tratamento:

I - ser tratada com humanidade e respeito e no interesse exclusivo de beneficiar sua saúde, visando alcançar sua recuperação pela inserção na família, no trabalho e na comunidade;

Fala-se em mudança por conta da historiografia da saúde mental no país que contém traços de marginalização aos sujeitos que eram tidos como “loucos”, sendo estes assim classificados, segundo Saraiva, Sousa e Santos 2016, por uma necessidade governamental e social de excluir esse ser devido ao “distanciamento dos padrões” estabelecidos na sociedade, além dos modos de controle existentes que objetivam a manutenção da ordem social vigente.

Ademais, é evidente a maior assistência à saúde mental, no plano teórico e legislativo. Entretanto, na prática, o que está falhando? Para responder esse questionamento, é necessário de um olhar atento para a história dos indivíduos, pautando-se na colocação do teórico Skinner (1973) 5, de que se uma cultura sobrevive é porque as práticas também estão permanecendo. Desse modo, há uma problemática que está sendo mantida a nível cultural: A banalização da saúde mental. Nesse aspecto, observa-se, nas discussões e tentativas institucionais (ciência, estado e sociedade) a finalidade de prover um tratamento adequado ao adoecimento psíquico, porém ocorre uma ruptura ao passar do plano abstrato e teórico para a prática, especialmente porque ainda existem hábitos que relutam de ser abandonados, pelo meio social, no que se refere ao acolhimento e compreensão do que é a saúde mental e a importância de se ter o cuidado adequado.

Essa dificuldade é estritamente delineada inclusive em conversas cotidianas que se referem à saúde, excluindo-se o psicológico, sem levar em conta que segundo a Constituição da Organização Mundial da saúde “Saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença ou enfermidade”.2. Ou seja, é uma contínua relação: Sem o bem-estar físico e mental e social, não se tem qualidade de vida e as consequências se tornam cada vez mais preocupantes, como o aumento de transtornos mentais, e dada a relação com o social, isso pode afetar até mesmo o campo econômico, pois com a discriminação sobre as pessoas com estados de disfunções psiquícas existente, estas ficam mais vulneráveis à pobreza, por exemplo, se não conseguem um acompanhamento psicoterapêutico e psiquiátrico, além da compreensão e acolhimento social que são necessários.

Portanto, a partir da banalização da saúde mental, um fator é incontestável: Não é válido apontar um culpado, mas é necessário compreender a relação histórica e a negligência estatal, social e até mesmo da ciência nesse ponto, sendo o primeiro responsável pela aplicação de políticas públicas que dêem assistência e apesar de existirem, não são bem aplicadas:

“Em países de baixa renda, a taxa de trabalhadores de saúde mental é baixa: dois profissionais por cada 100 mil habitantes, em comparação com mais de 70 profissionais em países de alta renda.” 3

Além disso, no âmbito social, a prevalência do senso comum, constatando-se a discriminação e descaso, por meio do não-acolhimento e não-compreensão do estado mental dos que estão à volta e de si mesmo. E, por fim, a ciência: Qual ponto está falhando na ciência psicológica que ainda temos problemáticas como essa? Como dito anteriormente, não há um culpado, é preciso compreender que seres biopsicossociais necessitam da intermediação relacional de todos os âmbitos existentes na sociedade, não se vive apenas por meio da “saúde física” e tampouco se vive sem a “saúde mental” e o aspecto social.

As resoluções são a longo prazo, isso é fato, mas são urgentes de se iniciar e um primeiro passo é a conscientização e disseminação dos fatos científicos, coerentes e lógicos do assunto, como um “simples” compartilhar de informações: Você já fez sua parte?

  • Ana Krichicovski, Denise Del conte, Gabriel Riva, Michael Douglas e Karina dos Santos.